A Estônia é atualmente um dos países referência em políticas públicas digitais. Todos os serviços estatais – exceto casamento, divórcio e transferência de imóvel – são possíveis de serem feitos sem papel e a presença física.
Isso graças à um cartão de identificação com assinatura digital, fornecido pelo governo, no qual é possível acessar a mais 500 serviços. Esse fato, além de reduzir o tempo na realização de serviços burocráticos, deixa os cidadãos mais felizes ao ver que as coisas funcionam.
Além disso, o impacto econômico também foi significativo, poupando 2% do PIB graças à digitalização.
A virada de jogo
O processo de digitalização começou lá atrás, quando o país deixou de ser dominado pela União Soviética, em 1992. Na época, comparando a Estônia com seus vizinhos, era claramente visível a discrepância causada pela dominação comunista.
Devido a essa situação, a Estônia se viu na obrigação de realizar medidas para reverter esse gap.
Desse modo, tiveram a ideia de entrar no mundo online e apostar na recém criada internet. “Nosso grande insight foi que, quando saiu o Mosaic, o primeiro navegador, nós já criamos um programa para conectar online todas as escolas do país”, disse Toomas Hendrik Ilves, presidente do país entre 2006 e 2016, em palestra realizada no GovTech.
Com isso, foram construídos laboratórios e a infraestrutura necessária para levar a internet até às aldeias mais distantes.
Novas leis, novas tecnologias e vontade política
Outro passo, mais adiante, foi tornar atrativo o investimento privado em infraestrutura digital. “Na maior parte dos países europeus, o ID digital é voluntário, o que faz com que seu uso fique em torno de 25%. Isso não atrai investimentos. Foi por esta razão que, em 2000, aprovamos uma lei que iguala o valor de uma assinatura digital à física”, diz Ilves.
A utilização de uma legislação favorável ao avanço tecnológico, aliado a inovação, estimulou a adesão dos cidadãos e os bancos a investir em sistemas de transações digitais mais seguros.
Atualmente, 50% dos sistemas de autenticação da infraestrutura do e-government são bancados pela iniciativa privada.
Então, é possível se questionar, se infraestrutura digital dos serviços públicos ainda é a mesma de anos atrás,e como é possível o país estar tão avançado digitalmente?
Isso foi possível graças a utilização de um sistema open source, não proprietário e descentralizado, chamado X-Road. Se uma empresa particular desenvolver um novo serviço, basta acoplá-lo a essa infraestrutura.
Dentro dela, os dados das agências, instituições e governo circulam de forma criptografada, de ponta a ponta. “Quando uma criança nasce, um hospital já envia automaticamente os dados para outras instituições da rede. Quando a polícia para um cidadão por alta velocidade, consegue acessar na hora todas as informações dele”, informa Ilves.
A confiabilidade no sistema se dá também devido à dupla autenticação que é exigida do cidadão para acessar algum serviço.
Ela é feita por meio de uma combinação de números e do chip presente no ID digital. O país não usa sistemas que incluam login e senha, tampouco SMS.
Na Estônia, cerca de um terço da população vota online e é possível abrir uma empresa em apenas quinze minutos, além de renovar a receita do médico de forma totalmente digital.
“No nosso país, vigora aquilo que chamamos de once only rule: você só precisa dar uma informação para o governo uma vez na vida. É por esta razão que hoje os estonianos simplesmente odeiam qualquer tipo de burocracia”.
Toomas Hendrik Ilves, presidente do país entre 2006 e 2016, em palestra realizada no GovTech.
O processo de desenvolvimento do e-government também incluiu a criação de “um arcabouço jurídico” que desse sustentação às regulamentações, padrões e transferência de informações entre os órgãos públicos. Segundo o ex presidente Ilves, o país realiza treinamentos períodicos com representantes do Poder Judiciário para atualizá-los sobre Direito Digital.
Disse ainda que “mais do que tecnologia”, é “preciso ter vontade política” para a criação de uma sociedade digital. “Tivemos ministros que levaram essa agenda adiante, por todos esses anos, garantindo continuidade. É uma ação que precisa vir do topo”.
Parcerias com a Estônia para o avanço de outros países
Finlândia, México, Panamá e Uruguai são alguns dos países que trabalham diretamente com a Estônia, para criar seus próprios e-governments.
O Uruguai, aliás, é o mais avançado na América Latina quando se fala em administração pública digital, segundo ranking divulgado pela ONU.
O país iniciou sua agenda digital em 2008, na presidência de Tabaré Vázquez. Em dez anos, o acesso à internet no país ultrapassou 70% de penetração e 99% das escolas e hospitais foram conectados.
Com isso, foi possível implementar o programa “Um LapTop por criança” no país. E a meta para 2020 é que toda a população do país com mais de 18 anos tenha carteira de identidade digital.
Atualmente, 100% dos serviços do governo podem ser iniciados online e cerca 80% deles podem ser concluídos sem a presença física do cidadão; é possível realizar quase tudo de forma digital.
As metas que o país discute hoje fazem parte da agenda criada para 2020, que inclui também melhorar a segurança do sistema e analisar os dados recolhidos para implementar estratégias nacionais.