Cultura

Esta pequena nação européia é uma prévia do nosso futuro

Existem poucos lugares para visitar que retratam como todos estaremos vivendo o amanhã. A capital da Estônia, Tallinn, cidade com 400.000 habitantes retrata esse exemplo com fidelidade. Assim, criar o futuro agora é o projeto impulsionador da Estônia e, cada vez mais, o seu principal negócio.

Na cidade, é possível observar quando um objeto de cor creme com rodas pretas dobra a esquina e começa a manobrar seu caminho entre os pedestres.

O dispositivo parece um brinquedo de criança, mas na realidade, é um robô de entrega de alta tecnologia chamado Starship e potencialmente a próxima invenção mega-lucrativa deste país, espremido entre a pequena Letônia e a gigantesca Rússia.

Seu tamanho modesto e distância escondem sua influência. Foi aqui que um grupo de amigos inventou o Skype, a popular plataforma de chamadas pela internet.

A luta pela ascensão de uma nação digital

Dada a história da Estônia, a invenção do Skype neste país foi irônica. Enquanto os americanos compravam seus primeiros telefones celulares, os estonianos estavam desligados do mundo como posto avançado da União Soviética, podendo facilmente esperar 10 anos para receber um telefone fixo.

No momento em que a União Soviética implodiu em 1991, o país estava em uma distorção do tempo. “Não tínhamos nada”, diz o general Riho Terras, comandante das forças armadas da Estônia, que era um estudante ativista na época.

O país teve que se reiniciar do zero, começando por emitir cartões bancários, uma vez que nunca tiveram talões de cheques, economizando em papel e burocracia, e levando-os a ficarem online rapidamente.

Os novos líderes, jovens e inexperientes, também privatizaram rapidamente o setor de telecomunicações: recusaram uma oferta da Finlândia que lhes ofereceu gratuitamente sua telefonia analógica, estimulando a compra de celulares, uma vez que pouquíssimas pessoas possuíam telefone fixo. E a primeira tarefa da advogada de TI, Ruusalepp, foi criar uma lei para assinaturas digitais, anos à frente de muitos países.

Essas decisões iniciais prepararam o terreno para o próspero cenário tecnológico da atual Estônia.

Depois de algumas décadas, a Estônia está em outro tipo de situação: é um exemplo de sociedade digital avançada. Para o resto de nós, a Estônia oferece um vislumbre do que acontece quando um país abandona velhos sistemas analógicos e opta por rodar completamente online.

Essa noção não é fantasiosa. De várias formas, governos de todo o mundo, incluindo Cingapura, Japão e Índia, e mais recentemente o Brasil, estão tentando determinar quão dramaticamente eles podem se transformar em entidades digitais. O intuito é reduzir custos e otimizar serviços.

A digitalização da burocracia estatal e suas vantagens

Ao nascer, cada estoniano recebe um identificador digital que é a chave para operar quase todos os aspectos da vida dessa pessoa. Isso também serve para os impostos, que são realizados online em questão de minutos.

Como os registros públicos estão todos vinculados ao sistema, os estonianos podem efetuar login para declarar seu imposto de renda, propriedades, número de filhos e assim por diante. Eles fazem os ajustes necessários e apertam o botão enviar.

Segundo Taavi Rõivas, durante quase três anos como primeiro-ministro, a única vez em que assinou seu nome a tinta foi em livros de visitas cerimoniais. Teoricamente, ele diz, o governo poderia emitir um pedido online para enviar tropas para a batalha. “Eu nunca assinei nenhuma lei fisicamente”, diz ele, “nunca”.

Os estonianos também foram os primeiros a votar online nas eleições, em 2005. Quando é perguntado à Presidente da Estônia, Kersti Kaljulaid, onde ela votou nas eleições de novembro passado, que a levaram ao poder, ela responde: “computador, em casa”.

O ecossistema estoniano proporcionando o DNA empreendedor

O Skype, fundado em Tallinn em 2003, gerou uma geração de técnicos e futuros empreendedores. Quando a Microsoft comprou o Skype em 2011 por US $ 8,5 bilhões, os jovens estonianos viram que podiam realizar coisas grandiosas.

Os ex-Skypers investiram dinheiro em novas startups em Tallinn, atraindo ainda mais os investimentos dos EUA. Também lançaram um fundo de capital de risco, chamado Ambient Sound

As inovações chegaram a tal ponto que atualmente, se você pedir comida chinesa através das plataformas DoorDash ou Postmates em Redwood City, Califórnia, ou Washington, DC, sua comida poderá chegar em um robô de teste da Starship, com um alerta no seu celular informando que ele está na sua porta.

O efeito do Skype não termina aí. Em 2011, o primeiro funcionário da Skype, Taavet Hinrikus, fundou a TransferWise, uma empresa de transferência de dinheiro online, que agora ocupa quatro andares de um prédio em Tallinn e administra cerca de US $ 1 bilhão por mês em transações por todo o mundo.

Resquícios da dominação russa

Retrospectivamente, parecia inevitável que a Rússia se chocasse mais cedo ou mais tarde com seu antigo território, que, além de se tornar um importante centro tecnológico, correu para se juntar à OTAN e à UE após o colapso soviético.

A retaliação da Rússia finalmente chegou em 2007 quando o governo da Estônia decidiu mover uma estátua memorial da Segunda Guerra Mundial de um soldado soviético do centro de Tallinn para um cemitério de guerra nas proximidades. Manifestantes pró-russos queimaram barricadas e saquearam lojas em dias de tumultos.

Então os bancos da Estônia, seu parlamento e vários outros serviços públicos repentinamente ficaram fora do ar, em um dos maiores ataques de bloqueio de serviços já atingidos a um país.

Blockchain e a segurança dos dados

A resposta a essa preocupação veio na forma da tecnologia que agora sustenta partes cruciais do sistema da Estônia, bem como algumas de suas startups de maior sucesso, e que, nos próximos anos, poderão ajudar a impulsionar o crescimento futuro do país: a blockchain.

Essencialmente um banco de dados distribuído, a blockchain – o sistema que também sustenta a criptomoeda Bitcoin – serve como um livro-razão público que nunca pode ser apagado ou reescrito.

A tecnologia permite que os engenheiros da Estônia fortaleçam seus dados criptografados e permite que os estonianos verifiquem a qualquer momento que suas informações não foram adulteradas. Os estonianos também precisam usar a verificação em duas etapas para muitas tarefas online.

Essas e outras medidas, dizem os estonianos, tornam seu sistema o mais seguro possível. Para eles, o potencial da extrema digitalização dos sistemas para governos e empresas é estonteante – ainda mais com a utilização da blockchain, que apenas começou.

A Guardtime, que tem 150 funcionários, $23 milhões em receitas em 2015 está agora entre as maiores empresas de blockchain do mundo, com clientes globais, incluindo a Lockheed Martin e o Departamento de Defesa dos EUA.

O Funderbeam usa a chamada “tecnologia da moeda colorida”, baseada na blockchain pública do Bitcoin para acompanhar transações e investimentos. Isso elimina a necessidade de corretores e despachantes.

Enfim para os estonianos, a “Blockchain resolve a questão da confiança”.

Tendo construído talvez o sistema digital mais integrado do mundo, a Estônia ainda enfrenta uma grande limitação: seu tamanho, com apenas 1,3 milhão de estonianos.

Como a Estônia tinha poucos meios para atrair massas de imigrantes para a paisagem gelada do norte da Europa, surgiu uma idéia peculiar, pioneira no mundo: oferecer residência digital às pessoas, surgindo então outra política digital revolucionária, o e-Residency.

Os residentes eletrônicos da Estônia agora podem executar suas operações na Europa remotamente e fazer negócios em euros.

Os primeiros cartões de residência eletrônica da Estônia foram lançados em dezembro de 2014. Os microchips dentro deles são idênticos aos cartões de identificação digital dos estonianos, mas não têm os direitos dos cidadãos, como voto ou pensão pública, e não há obrigação de pagar impostos na Estônia.

Este não é um paraíso fiscal: a Estônia exige que os residentes eletrônicos paguem seus impostos para qualquer país que eles devam.

Por uma taxa de 145 euros, os e-residentes podem registrar empresas na Estônia, não importando onde moram, e desse modo obtendo acesso automático ao gigantesco mercado comum da UE – cerca de 440 milhões.

Dos aproximadamente 18.000 e-residentes até abril de 2017, cerca de 1.400 tinham criado empresas na Estônia. Em média, cada uma dessas empresas gastavam cerca de 55 euros por mês em contabilidade e administração de escritórios no país.

À medida que os números crescem, também aumentam os serviços comerciais que a Estônia oferece. Tallinn recebeu funcionários de todo o mundo, incluindo o Brasil, para verificar como iniciar seus próprios programas de residência eletrônica, chegando a cerca de 500 delegações por ano.

“Até agora, o único modelo de receita para o país são os impostos”, diz ele. “Mas se recebermos 10 milhões de e-residentes pagando $100 por mês cada, talvez não precisemos de impostos”.

O futuro: a busca por novos modelos de negócio

Com seu governo operando na blockchain, a Estônia poderia, em teoria, começar a comercializar outras invenções à medida que elas se desenvolvessem, criando novos grandes negócios.

Rõivas, o ex-primeiro-ministro, diz que a Estônia está trabalhando no desenvolvimento de medicamentos de precisão, que exploraram os dados do genoma de seus habitantes.

O intuito é diagnosticar melhor doenças para tratar pessoas e projetar medicamentos personalizados. “Podemos usar a blockchain para garantir que os dados trocados possam ser rastreados”, diz ele.

É possível imaginar a idéia da Estônia se tornando um negócio de bilhões de dólares nos próximos anos – transformando toda a visão do governo como uma burocracia que oferece serviços públicos, em uma entidade geradora de lucros.

Fonte: https://fortune.com/2017/04/27/estonia-digital-life-tech-startups/

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